domingo, 16 de dezembro de 2007

Questões de AMOR II

Hesitei como nunca em postar sobre esse assunto, pois temia ser excessivamente transparente, ao ponto de expor-me demais. Hoje porém tomei coragem e por isso estou deixando dois post seguidos sobre o referido assunto.Essa é a resposta aos que tanto me indagam.

No post anterior deixei um trecho que revela uma parte ínfima do que penso, afinal não consigo dissociar amor de sofrimento, abnegação,humilhação e morte do eu, e Lewis o soube descrever muito bem, por isso no anterior deixei claro que não sou insensível, ou durona, e fechada para o amor. Afinal escolho amar.

Porém neste post deixarei expresso uma das forma como enxergo o amor conjugal. Tudo bem que me "apropriei" das palavras de outrem. Assumo que foi uma forma de me resguardar. O texto abaixo escrito por Ariovaldo Ramos, traduz com clareza alguns dos posicionamentos acerca desse assunto.

Encontro

A cena é extraordinária, porém, quando você a conta, as pessoas emendam de pronto: "É...isso só acontece em filmes!"
Woody Allen fez um filme chamado "A Rosa Púrpura do Cairo". A temática é muito interessante. Conta a estória de como o amor de uma espectadora, vivida por Mia Farrow, pelo herói do filme, um explorador tipo "Indiana Jones", concede autonomia ao personagem que, correspondendo ao amor da moça, escapa da tela, causando uma revolução no filme.
A cena acontece num cinema onde a personagem em questão está assistindo ao filme pela vigésima vez. Em dado momento, o herói interrompe a cena, volta-se para ela e diz: "Puxa, é a vigésima vez que você está assistindo a este filme!".
Ela, surpresa, responde:"Como?!". Mas, apesar de atônita continua dialogando com o herói que, em seguida, sai do filme, da tela e vai ao encontro dela.
Ao alcançar sua admiradora o protagonista declara-se, dizendo como o amor que ela lhe dedicava havia lhe concedido vida e libertação.
Interessante como todos os filmes de Allen, um existencialista assumido, possuem cenas extremamente bonitas, criativas e de um comovente romantismo.
Esse filme tem vários momentos interessantes e, num deles, o personagem que saiu das telas se perde e chega a um local onde há muitas mulheres de programa.
Ele, extremamente gentil, cavalheiro, bondoso, acaba por provocar a paixão daquelas mulheres que, como prova de amor oferecem-lhe uma tarde de prazer.
Ele recusa, confessando-se estar enamorado. Enlevado, começa a descrever a beleza, a bondade, o caráter de sua amada.
Ao falar do encantamento que ela lhe produz, diz que jamais poderia relacionar-se com qualquer outra pessoa do sexo feminino, pois havia se entregado a ela pelo resto de sua vida.
Como dissemos na abertura deste artigo, a cena é belíssima, extraordinária, porém, quando você a conta, as pessoas emendam de pronto: "É... isso só acontece em filmes".
Na verdade, esse era o intuito de Woody Allen - passar a idéia que uma fidelidade e senso de compromisso deste porte, só poderia existir na vida de "faz de conta" dos filmes de Hollywood.
Mas, será que tem mesmo de ser assim? Será que não é possível enamorar-se a ponto de fazer com que nosso amor seja a garantia de que não haverá espaço para nenhum outro compromisso?
Será que esse tipo de possibilidade está restrito às telas de cinema e televisão?
Quando olho para a cena de Gênesis, onde o Senhor apresenta a mulher ao homem, tenho a impressão que, apesar da intenção ter sido totalmente outra, aquela cena tem muito a ver com o que Woody Allen filmou.
No texto sagrado há uma exclamação do homem ao ser apresentado à mulher: "Esta, afinal, é carne da minha carne e ossos dos meus ossos e chamar-se-a varoa..." (Gn 2.23).
Aí o Senhor conclui: "Por isso deixa o homem pai e mãe, e se une à sua mulher, tornando-se os dois uma só carne".
A cena descrita em Gênesis 2.24 é a de um compromisso que não pode ser quebrado. E um relacionamento cuja intimidade o torna vitalício por não ser apenas de quem olha para o outro e vê algo que gosta, mas vê a si mesmo, ou seja, vê-se complementado, preenchido, encontra-se no outro.
Este é um compromisso que não pode ser desfeito porque é um encontro, e parte do princípio de que alguém só pode encontrar-se uma vez, e uma vez que se encontrou, ali residirá para sempre sua identidade.

Parece-me que esse é o espírito das Escrituras, que diz que o casamento, o encontro, o amor, é o achar a sua identidade, a sua complementaridade, não no sentido de que somos incompletos sem o outro, mas no sentido de que nossa identidade se dá no relacionamento intenso com alguém.
Berkeley dizia que "ser, é ser percebido". E parece-me que nas Escrituras têm-se um encontro dessa natureza, onde o homem diz:"Finalmente existe no planeta alguém capaz de me perceber.
E a contrapartida é verdadeira pois, se o homem diz à mulher: "essa é finalmente ossos dos meus ossos e carne da minha carne", a mulher diz o mesmo.
A partir daquele momento, em que se encontram, a identidade deles se auto-afirma.
Não importa mais quem veio de quem, porque, na verdade, o que importa é que a partir de agora um será por causa do outro, porque tem alguém que o/a percebe.

É isso o que a Bíblia chama de "casamento", um relacionamento que dá consistência à existência, porque ela é entendida como mais que a simples manifestação de um fenômeno.
A existência aqui é considerada não apenas a partir da consciência que alguém tem de si, mas a partir do olhar do outro, a partir de ser percebido por alguém, querido por alguém, necessário para alguém.
Parece que este é o encontro fomentado pela Bíblia, onde a existência se sustenta na percepção do outro.
Voltando a Berkeley, "ser, é ser percebido". Sou, quando alguém me percebe vendo-me como a continuidade de si, como parte de si, como indispensável, como único, como desejável.
Se entendêssemos o compromisso nessa dimensão, se entendêssemos o casamento nessa perspectiva, certamente, os laços conjugais tornar-se-iam muito mais sólidos porque é inconcebível pensar alguém rompendo com sua própria identidade.
É impensável conceber alguém rompendo com o que dá consistência à sua existência, porque aí, romper com o outro, seria romper consigo mesmo.
Vemos aqui um princípio estabelecido por Paulo quando ele diz que somos uma só carne, ou por Pedro quando diz que ninguém maltrate a si mesmo, de modo que nosso cônjuge passa a ser de fato carne da nossa carne.
Isso torna o relacionamento extremamente rico e profícuo. É interessante perceber que nessa perspectiva, a busca é, na verdade, por si mesmo.
A busca possui identidade, a qual encontra-se no outro que, com a sua percepção, vai dar existência à minha existência e vice-versa.
O Senhor, antes de apresentar a mulher, fez o homem consciente da sua solidão, de que não havia companheira idônea para ele, que era único da espécie e que, portanto, ainda que o relacionamento com Ele desse consistência existencial a Adão, este não tinha o contraponto na dimensão horizontal.
O homem, portanto, tinha a quem adorar, mas não tinha em que se ver e é isso que o Senhor lhe traz, alguém em quem ele pode se ver e que, também, se vê nele. Alguém que dá consistência à sua existência na dimensão horizontal, na dimensão do trânsito no planeta, na dimensão dos outros seres criados.
Se tivéssemos essa consciência, nossos laços matrimoniais se tornariam inquebráveis e não haveria espaço para outro relacionamento dessa natureza pelo simples fato de que, volto a dizer, alguém que se encontrou não precisa mais se procurar.

Vivemos dias complicados para a família. Alguns apostam em sua falência e já estão, inclusive, propondo outras formas de relacionamento, formas estas que não pressupõem compromisso.
O que, porém, não estamos nos dando conta é que a chamada "família tradicional" é que sustenta a identidade de cada um de nós. Se redescobrirmos isso, provavelmente, conseguiremos demonstrar a Woody Allen, com todo o seu ceticismo, que o que ele sonha também pode acontecer fora das telas.

A propósito já o vi na minha locadora várias vezes, só não aluguei.. Queres ver comigo?




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